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Primeiro, o exame         (10/mar/1999) 
 

         Até agora, você se escapou. Afinal, sempre bateu a sua bolinha, deu a sua malhadinha ou fez a sua corridinha de vez em quando, e nunca sentiu nada de errado. Não teve palpitações, nem falta de ar, nem infarto e também não morreu. Ou seja, aparentemente, você nasceu para ser um atleta. Então, por que marcar uma consulta com um médico que vai encher a sua paciência com dezenas de perguntas e pedir um monte de exames, cada um mais chato que o outro? 

        Porque você nunca correu durante horas sem parar. E também não fez isso no sol, nem com uma umidade alta, nem em lombas. O seu corpo nunca foi tão estressado quanto será nos próximos meses. Mesmo que você aumente a carga de treinamento gradualmente, com a máxima prudência, você ainda não sabe como que o seu organismo, especialmente o sistema cardiorrespiratório, vai responder. Você estará em um terreno desconhecido. 

        E se eu já tiver feito tudo isso?  

        Não importa. Mais adiante eu darei um bom motivo para que você ignore o seu passado glorioso. Se você nunca fez um exame clínico específico, faça o seguinte: descubra um médico na lista do seu plano de saúde. Pode ser um bom clínico geral ou um cardiologista, mas o melhor é que seja um especialista em medicina do esporte. E melhor ainda se ele própro for um corredor. Naturalmente, essa informação não consta do livreto do plano de saúde, portanto, uma boa idéia é pedir referências a outros corredores. 

        Qualquer que seja o médico, contudo, entre no consultório e vá direto ao ponto: Doutor, quero correr uma maratona no ano que vem. Observe a sua reação. Se ele demonstrar surpresa ou contrariedade, sem conhecê-lo, você provavelmente escolheu o médico errado [1]. Se ele sugerir que você escolha outra atividade, porque não considera a corrida um bom esporte, agradeça a sua atenção, elogie o seu consultório, levante-se e vá embora. E nunca mais volte. Se ele já tem uma opinião desfavorável sobre a corrida, sempre vai avaliá-lo e tratá-lo com resistência, o que, definitivamente, não é do que você precisa. 

        Se o médico compreender o seu desejo, ele vai imediatamente se debruçar sobre a questão. Vai fazer muitas perguntas, a fim de determinar o seu histórico clínico e atlético. Provavelmente vai realizar um rápido exame para detectar limitações físicas mais evidentes. Talvez explique os riscos dos esportes extenuantes, como a corrida longa, e o que ele deve pesquisar antes de liberá-lo para a prática. Em seguida, vai pedir os exames, provavelmente um teste de esforço para determinar a sua capacidade cardíaca e talvez um exame de sangue para descobrir eventuais deficiências. 

        E se eu não fizer nada disso?  

        Ir ao médico e fazer os exames não vai deixar o seu organismo melhor nem pior. Se você tem boas condições físicas, fará todo o treinamento e completará a maratona sem problema algum. Agora, se você tiver deficiências ou anomalias ainda não detectadas, o exame poderá descobri-las, e elas poderão ser tratadas convenientemente. Caso contrário, provavelmente elas se manifestarão durante as corridas, na forma de um desempenho pobre ou de complicações mais sérias. Inclusive a mais séria de todas, claro. 
 
        Morte súbita?!?  

        O que foi, será que eu percebi um leve tremor na sua voz? Eu sei que esse é um assunto que não o deixa muito à vontade, mas permita que eu exponha alguns fatos interessantes a respeito. Em um artigo publicado no Journal of the American College of Cardiology [MAR96], três pesquisadores apresentam uma estatística do número de mortes súbitas, de origem cardíaca, ocorridas nas maratonas Marine Corps (de 1976 a 1994) e Twin Cities (de 1982 a 1994). Nessas maratonas, para 215.413 atletas que completaram as provas, houve quatro casos de morte súbita, todos eles decorrentes de problemas cardíacos não diagnosticados previamente. Isso significa um percentual muito pequeno (0,0018%) [2]. Segundo os autores, o risco médio de uma pessoa morrer durante o período de um ano, considerando-se a soma de todos os riscos existentes, é cerca de 100 vezes maior que o de correr uma maratona. Não esqueça de fornecer essa informação àquele seu amigo soturno, na próxima vez que ele vier lembrá-lo dos perigos da corrida. 

       Uma informação particularmente interessante sobre as mortes é que dois desses atletas já tinham completado três maratonas cada um. Eu disse três maratonas. Inteiras. Entendeu agora por que vale a pena passar por um exame médico, mesmo que você já contabilize façanhas atléticas no seu currículo? E, além disso, o exame não dói nada. Está bem, eles vão tirar o seu sangue, e talvez você desmaie ao ver a agulha. Mas, acredite, isso é completamente irrelevante perto dos problemas que poderão ser evitados. J 
   


Notas de rodapé  Sérias  
Nem tanto


[1]    A não ser que você pese 177 kg e não tenha um joelho. Mas, nesse caso, ou você não estaria querendo correr uma maratona, ou já teria sido internado num manicômio há muito tempo. Volta 



[2]    Na verdade, esse índice deve ser ainda menor, se forem consideradas as pessoas que não terminaram as maratonas e também não morreram. Mas os autores não dispunham desse dado, porque o número de pessoas que efetivamente iniciam não é (ou não era) controlado. Volta