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As credenciais do autor         (19/fev/1999) 
 

        Meu nome é João Campos. Sou natural de Porto Alegre, onde vivo (e corro) até hoje. Seria bom que eu tivesse um currículo brilhante em medicina, educação física ou atletismo para apresentar aqui, mas, definitivamente, esse não é o caso. Sou formado em Engenharia Elétrica, com mestrado em Ciência da Computação, trabalho em informática e, se tivesse de viver do meu talento atlético, já teria morrido de fome. Ou de câimbras. E há muito tempo. 

        Nesse caso, porque eu haveria de acreditar no que está escrito? 

        Na verdade, uma boa parte do que eu escrevo são opiniões pessoais ou conclusões baseadas na minha própria experiência. Tenho plena consciência de que, embora elas possam ser úteis para mim, não necessariamente o serão para outras pessoas, inclusive você. Num ambiente acadêmico/científico tais conclusões seriam virtualmente desprovidas de valor, por basearem-se em uma amostra desprezível (em número, é claro). Por isso, tenho sempre o cuidado de identificar claramente as minhas opiniões e experiências pessoais. Sinta-se à vontade para experimentá-las, se desejar, mas fique sabendo que eu não dou nenhuma garantia de que vão funcionar com você, nem devolvo o seu dinheiro se você não ficar satisfeito. Também é bom deixar claro que nenhum conselho ou comentário meu deve substituir orientação profissional especializada, seja ela de médicos ou de outros profissionais da área. A propósito, sempre que você duvidar ou discordar de alguma observação minha, não hesite em comentá-la por e-mail ou simplesmente ignorá-la. 

        Por outro lado, há muita informação, de outras fontes, que são repassadas por mim, com os devidos créditos aos seus autores. Mas quem lhe garante que esses autores são confiáveis? Bem, a maioria deles é reconhecida internacionalmente, citada em outras publicações ou tida como boas fontes pela comunidade de corredores que participa do rec.running, o grupo de discussão sobre corrida da Internet. Além disso, possuem bons currículos acadêmicos e/ou atléticos, e o que escrevem, na maior parte das vezes, soa coerente e confiável. Ainda assim, admito que, (1) a minha capacidade de julgamento é comprometida pelo fato de eu não ter uma educação formal na área, e (2) mesmo autores respeitáveis podem se equivocar ou tomar como base estudos científicos viciados. Se você tiver a menor dúvida sobre qualquer assunto, eu sugiro que trate-o com o máximo ceticismo e procure consultar outras fontes. A Internet é inesgotável nesse aspecto. 

        Está bem, João. Mas pelo menos corredor você é? 

        Sim, pelo menos isso. Eu corro por lazer desde 1985. Até então, a corrida era um dos esportes menos atraentes para mim. Lembro até hoje de como eu detestava ter de correr nas aulas de educação física do colégio, ao invés de começar logo a jogar futebol, que era o que interessava. Pior ainda era aquele estúpido teste de Cooper, que valia uma boa parte do conceito do bimestre, e não media nada senão a minha óbvia inaptidão para aquele esporte sem sentido. 

        Mas, em 85, eu estava planejando ir ao Peru, e o roteiro incluía altitudes muito elevadas, especialmente em La Paz, Bolívia (cerca de 3.600 m). Por acompanhar pelo rádio os jogos de futebol da Seleção naquela cidade, eu sabia que a altitude era um inimigo poderoso, capaz de derrubar até atletas bem preparados, quanto mais um semi-sedentário como eu, que mal conseguia participar de um futebolzinho de salão por semana. Então eu resolvi começar a correr. 

        Corri de novembro a fevereiro, cinco quilômetros por dia. No início, foi o inferno. O peito ardia, a dor no baço me torturava [1], e eu não podia nem pensar em comer depois de terminar a corrida. Nos primeiros dias (muitos) tive de caminhar para conseguir completar o trajeto. Depois, isso já não era mais necessário, a não ser raramente, quando meu organismo estava a meio pau. Nesses pouco mais de três meses, lembro de não ter perdido mais que meia dúzia de dias. E não sofri nenhuma lesão, embora eu corresse, quase não dá para acreditar, com tênis de vôlei. Mas, naquela época, eu tinha 22 anos, e, nessa idade, parece ser possível até correr de coturnos, e com os pés trocados. 

        Como resultado, entrei na melhor forma física que eu jamais tinha experimentado. No futebol de salão semanal, eu corria do início ao fim com o mesmo fôlego, o que era uma tremenda novidade para mim. Quando cheguei a La Paz, com um amigo e mais dois casais de São Paulo que encontramos no caminho, eu e ele éramos os únicos capazes de enfrentar as subidas da cidade sem sentar a cada trinta metros (meu amigo era ciclista e também estava em boa forma). 

        O meu treinamento com corridas tinha sido um sucesso absoluto. tanto que, na volta, eu nem pensei em abandoná-lo. E além do mais, eu já estava começando a gostar de correr. Talvez ainda não do ato de correr em si, mas daqueles deliciosos momentos de descanso que vêm depois, quando o corpo relaxava de uma forma à qual eu não estava acostumado. 

        Não me lembro quanto eu corria depois, mas acho que fiquei nos cinco quilômetros durante muito tempo. Nos anos seguintes, dei algumas paradas, especialmente durante os invernos (em Porto Alegre, dificilmente alguém morre de vontade de correr no inverno). Mas sempre voltava a correr, lá por agosto, embora não mais todos os dias. Meu padrão acabou ficando em duas ou três corridas de 5 km e mais uma, no fim de semana, de uns 8 km. Eventualmente, eu chegava a 10 km e, muito raramente, 12 ou 13 km. É claro que correr uma distância dessas era motivo de orgulho para mim, pois representava uma São Silvestre inteira [2], o que foi por muito tempo o meu paradigma de objetivo a ser perseguido. 

        Mais tarde, talvez a partir de 92, minhas corridas se tornaram muito irregulares, até serem suspensas completamente entre 94 e 96, durante meu curso de mestrado. No segundo semestre de 96, eu comecei a voltar aos parques, mas fui assolado por uma seqüência aparentemente interminável de lesões. No início de 97, já meio desesperançoso, resolvi dar uma olhada na Internet para ver se havia alguma coisa que pudesse me ajudar. Engraçado, eu usava a Internet desde 94, e nunca tinha me ocorrido procurar nada sobre corrida lá. Desnecessário dizer que eu achei tudo o que procurava e toneladas mais. 

        Desde então, passei a me dedicar muito mais às corridas, agora bem amparado por informações teóricas sobre todos os aspectos envolvidos. Além dos sites informativos que abundam na Internet, existem os fóruns de discussão, como o rec.running citado acima, e livrarias de onde se pode comprar excelentes livros sobre corrida. Isso me estimulou a tentar coisas que jamais eu imaginara possíveis, como correr uma maratona. 

        No início de 1999, resolvi organizar, na forma de artigos, as informações sobre corrida que eu havia acumulado e criar um site na Internet para publicá-las. Embora a maior parte dessas informações já estejam disponíveis, elas precisam ser garimpadas com cuidado e paciência, antes que possam ser utilizadas com confiança. A minha intenção foi agrupar todos esses assuntos num mesmo lugar, incluindo um artigo por vez, como se fosse um livro publicado aos pedaços. E um livro em português, o que pode ser útil para muita gente, já que a quantidade de informação publicada na nossa língua, ainda é, infelizmente, extremamente baixa. Pelo menos, eu teria gostado de achar um site assim há alguns anos. 

        E quanto ao seu desempenho como corredor? 

        Bem, eu não queria falar disso, mas você pediu. Prepare-se para sentir a dor amarga da vergonha e da humilhação: 
 
10 km  0:46:36 Brasília, dezembro/98 
10 mi 1:16:49 Novo Hamburgo, novembro/98
Meia maratona 1:45:22 Viamão, dezembro/98
30 km 2:36:23 Porto Alegre, abril/99
Maratona 4:02:53 Porto Alegre, maio/99
        O que, não se sentiu humilhado? Inclusive está rindo, é? Olhe aqui, meu chapa, se você acha que esses tempos deveriam ser bem melhores depois de dois anos de treino, deveria saber como eles eram quando eu comecei. Se eu contasse (e é claro que não vou fazê-lo), você concordaria que eles realmente estão muito bons.  J 


Notas de rodapé  Sérias  
Nem tanto

[1]    Algum dia, alguém me disse que aquelas dores agudas que se sente no lado do abdômen (especialmente o direito), um pouco abaixo da linha das costelas, ocorrem no baço. Só recentemente fiquei sabendo que o coitado, não bastasse ter esse nome ridículo, foi vítima de uma ignominiosa calúnia. Segundo Noakes [NOA91], a causa provável é um espasmo do diafragma, originado pelo movimento muscular acentuado da região abdominal, quando o indivíduo não está acostumado, ou quando o esforço é muito intenso. Em qualquer dos casos, a alteração do padrão de respiração (por exemplo, passar a respirar "com a barriga") pode solucionar o problema. Volta 


[2]    Naquele tempo, a São Silvestre tinha 12 km, e o seu início ocorria perto da meia-noite do dia 31. Tinha um apelo muito mais romântico, e eu realmente teria gostado muito de ter corrido uma. Hoje ela pode ser a mais importante prova do país, mas acho que eu não viajaria a São Paulo somente para corrê-la. Ainda mais sabendo que perderia o espetacular show de asneiras proporcionado gratuitamente pelo narrador e pelos comentaristas da TV.  Volta